Enquanto se aproxima o final do ano e o espírito natalício se instala, impõe-se a reflexão sobre este feriado, sobre o seu significado e sobre qual o comportamento mais consciente (do ponto de vista do afeto e do consumo) que podemos adotar. Sabemos, então, que Natal é sobre a família, sobre união, sobre comunidade, partilha, mais sobre dar e menos sobre receber. Estamos habituados a ouvir estas frases, que tomamos como garantidamente corretas e apreendidas. Sabemo-las de cor, ensinamo-las às crianças e esperamos que as reproduzam. Temos estas ideias carimbadas nos nossos cérebros e não as questionamos – vemo-las como verdades universais (e cansamo-nos delas), repetindo-as sem as pensar conscientemente. 

Na verdade, estes ditos clichés de que todos conseguimos falar sobre, são muito relevantes para compreender como devemos encarar um feriado que tem valores que podem fazer-nos questionar a vida e a própria organização da sociedade. Contudo, será que nos temos debruçado o suficiente sobre estes conceitos? 

Sem os descartar, importa que os olhemos com nova maturidade. Deixar maturar os conceitos enquanto nós próprios maturamos. O que é – para o nós do presente – a família? Que valores lhes associamos? O que temos feito durante o ano para a manter unida e por perto? Quais as cedências que fizemos que nos deixaram desconfortáveis? Em que capacidade praticamos a paciência para conversar com o familiar que julga as nossas decisões e escolhas de vida? E podemos mesmo refletir sobre os conceitos basilares que medeiam esta festa, e quaisquer outros que se lhe surjam associados. 

Não podemos deixar de refletir. Não podemos deixar de maturar, ainda que aguardemos pelo aproximar do mês de dezembro para voltar a refletir sobre o sentido do Natal e sobre o que devemos fazer para não agir contra os nossos valores, de forma a que nos sintamos o mais confortáveis possíveis aquando da chegada inevitável de um novo ano. 

Tomemos o exemplo de Joaquim Lagoeiro, um escritor neorrealista estarrejense. Quando questionado sobre o seu processo de escrita, o autor afirmava deixar os seus textos a envelhecer na gaveta da sua secretária. Assim, sempre que pegava nos seus textos, tinha uma nova maturidade para os ler, uma nova versão descoberta de si, que lhe permitia ver o que escreveu com novas perspetivas e visões, avaliando, assim, quase como um terceiro, a sua obra – e a sua vida. 

Assim, também nós podemos colocar coisas na gaveta. Mas não a podemos deixar fechada. Abramos a gaveta e retiremos os ditos clichés do Natal, para que os possamos conscienciosamente repensar, possibilitando que sejam transmitidos com mais honestidade (o que quer que esse conceito signifique para nós agora) às pessoas que nos rodeiam. 

Eliana Lage

Os (não tão) clichés do Natal 

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